Agnaldo Timóteo e as vertigens do ser.
Tásso Brito*
Algumas
personalidades conseguem imprimir uma imagem fixa de si. Muitos artistas,
políticos, religiosos ao longo de toda uma trajetória de vida investiram
esforços para tal, outros são taxados pela impressa ou meios de comunicação,
por vezes lutando contra tais imagens. Em ambos os casos há a construção uma de
ilusão biográfica[1], na qual uma vida ganharia sentidos inteligíveis e imutáveis.
Porém, há aqueles que escancaram a falta de sentido, o próprio absurdo que é o
viver. Esse é o caso do personagem que trago na coluna de hoje.
Agnaldo
Timóteo. Um músico popular, com todas as grandezas e misérias que esta
rotulação carrega, que chegou a emplacar grandes sucessos nas rádios na década
de 70 e que nunca saiu dos holofotes desde então. Timóteo, também, teve uma
carreira política chegando até mesmo ser deputado federal, com todas as
grandezas e misérias que o cargo lhe trazia. Recentemente, em ocasião de seu
falecimento, muitos veículos de imprensa, páginas de Facebook, perfis de
Instagram, boa parte deles identificados mais à esquerda do espectro político,
lhe renderam homenagens por sua atuação em relação aos ataques contra o Partido
dos Trabalhadores e principalmente ao ex-presidente Lula.
Foto de Ricardo Stuckert
Por conta
de seu falecimento, o ex-presidente Lula redigiu uma nota de pesar:
Agnaldo Timóteo foi um dos mais importantes cantores da história da música popular brasileira. Teve uma trajetória musical de décadas, cantando e entretendo os mais diferentes tipos de audiências por todo o país. Suas interpretações emocionaram gerações de brasileiros. Também teve uma carreira política sem medo de opiniões polêmicas.
Sempre foi muito solidário comigo, mesmo nos momentos mais difíceis, pelo que sou muito grato. Infelizmente faleceu dessa doença terrível que tem levado tantos brasileiros. Suas músicas e nossas lembranças dele seguem conosco. Aos familiares, amigos e fãs de Agnaldo Timóteo minha solidariedade e meus sentimentos.
Luiz Inácio Lula da Silva[2]
A história
da atuação política de Agnaldo Timóteo se torna complexa se investigarmos a sua
posição diante do Projeto de Lei 869/95, que versava sobre os mortos e
desaparecidos políticos do período ditatorial. Em 1995, através de pressões
internas, os familiares dos desaparecidos, e externas, a ong Humans Right
Watch, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso elaborou um projeto de
lei para reconhecer a morte dos desparecidos, assumindo a culpa do Estado em
tais ações e indenizando as famílias das vítimas. Em agosto o projeto foi
encaminhado a Câmara de Deputados, na legislatura em questão se encontrava
Agnaldo Timóteo, eleito pelo Partido Progressista Reformador (PPR).
Agnaldo
Timóteo e seu colega de legenda, o deputado Jair Messias Bolsonaro, elaboraram
emendas aditivas ao projeto de lei. Ambos desejavam equiparar as culpas e
vítimas tanto das esquerdas armadas quanto das forças de repressão
governamentais. Bolsonaro alegava que sua proposta tinha como objetivo a
pacificação nacional, foi muito mais brando e sereno em suas posições do que
vocifera hoje em dia. Enquanto, Agnaldo Timóteo, não tão brandamente, se
justificava, na emenda 009 de sua autoria:
Está
a se justificar a emenda que propõe o pagamento de indenização aos familiares
das vítimas que, comprovadamente, perderam suas vidas, em razão de atos
terroristas. Estende, ainda, direitos indenizatórios às vítimas que em
decorrência daqueles atos tenham ficado inutilizadas. Favorecendo os familiares
de vítimas fatais, respeitada a ordenação disposta no art. 10, compensam, com
justiça, financeiramente, os dependentes da pessoa falecida por ser dever do
Estado proteger a integridade física do cidadão. De igual forma, a reparação
indenizatória está a se impor em favor daquele que sofreu perda total ou
redução parcial em sua atividade rotineira e laborativa, decorrente de
problemas físicos ou mentais resultantes dos referidos atos terroristas.[3]
Homens ligados à Ditadura usam de um mesmo léxico que o regime autoritário mantinha para legitimar suas ações repressivas. Dessa forma, há na proposta de emenda o signo do terrorismo aparece tal qual era usado durante o regime ditatorial. O terrorismo reaparece no discurso do Deputado Agnaldo Timóteo, com muito mais veemência do que do seu colega deputado Bolsonaro. Durante a sessão do dia 13 de setembro 1995, ele foi ao púlpito para defender sua a proposta de emenda:
Transcrevo um trecho para melhor destaque:
Que
estendamos, aquelas vítimas dos terrorismos, os mesmos direitos. Que estendamos
aos chefes de família que foram assassinados pelas costas, os mesmos direitos.
Que estendamos aos gerentes de bancos, assassinados em assaltos, os mesmos
direitos. Que estendamos a soldados, que prestavam serviço à pátria, e que
foram dizimados por um caminhão carregado de dinamite, os mesmos direitos.
Imaginem, senhor presidente, senhores deputados, que o Partido Comunista
Brasileiro, o partido PCB, se arvora em dizer nessa casa que é responsável pela
democracia! Ora, o Partido Comunista Brasileiro tem quatro representantes, o
outro partido nem tem mais representante! Acabou! Que representatividade do
povo brasileiro essa gente tem? Para determinar tudo que acontece nesse país,
Sr. Presidente?
Nós
estamos vivendo um momento que vale mais o que se escreve do que determina o
código penal. O presidente da república é um homem, altamente, preparado,
parece-nos um homem equilibrado em seu relacionamento político, e eu tenho
certeza que estes favorecimentos de hoje também sejam estendidos as vítimas do
terrorismo.
[...]
Senhor presidente é justo que nós agridamos aqueles que representam a defesa desse país? Evidentemente que em Cuba não teríamos esse problema, teriam todos eles para o paredão, tomado um caminhão de tiro e não estariam hoje enchen... nos aborrecendo. A verdade que esta relação do coronel Erasmos Dias, que conviveu do outro lado, merece um destaque especial, entidades terroristas: a Ação Libertadora Nacional, Ala Vermelha do PCdoB, Movimento de Libertação Popular, MR8, Movimento Revolucionário Tiradentes, PCBR; Esse merece um destaque, é o partido do Theodomiro que matou um sargento com um tiro pelas costas e quando voltou para o Brasil foi recebido como herói; PCR, REDE (resistência democrática), VPR, VAR-Palmares e COLINA. Esses grupos queriam tirar do poder na base do pau, aqueles que estavam ali constituídos. O Movimento de 1964 foi uma aclamação da sociedade brasileira, por causa da baderna, por causa da violência, das agressões aos direitos elementar do cidadão brasileiro, não foi uma coisa imposta pelos militares, foi a sociedade brasileira que foi lá clamar a participação dos militares. Evidentemente, tivemos os desencontros, evidentemente! [4]
O trecho do
discurso exposto aponta para uma memória reivindicada pelas alas mais
extremistas da direita brasileira. Que ganharam mais visibilidade com a eleição
de Jair Bolsonaro à presidência, mas que sempre existiram na nossa sociedade. O
deputado Agnaldo Timóteo ataca organizações de combate armada à ditadura,
muitas das quais membros do Partido dos Trabalhadores fizeram parte, estes que
anos mais tarde o deputado elogiaria.
Não há
contradições. Tal palavra nem deveria existir em um léxico historiográfico.
Pois, nomear algo como contraditório é assumir que exista um ideal que paira
sobre nossas vidas. O éter ao qual a carne deve alcançar. Assim, é preciso
pensar como os sujeitos se constroem nas relações e como estes são complexos,
muitas vezes vertiginosos.
Agnaldo
Timóteo era um apoiador da ditadura e apoiador do governo de PT, em especial do
Lula, e isso não é uma contradição, mas sim o que ele era em de complexas relações
políticas e afetivas. O que caberia mais pesquisas para compreender, porém o
nosso objetivo por hora não é esse. Mas, sim alertar que as fontes históricas
não se contradizem, elas emergem de tramas muitos complexas, urdidas de formas
inesperadas assim como a vida daqueles elas representam.
Assim,
iniciamos nossa coluna sem necessariamente expor respostas, mas apontando a
complexidade e imensidão das fontes históricas, das possibilidades teóricas,
dos desafios metodológicos. E convidamos a todos, parafraseando Antonio
Abujamra, caminhar conosco no incerto e idolatrar a dúvida.
* Sobre o
autor: Doutorando em História pela Universidade
Federal do Ceará (UFC). Mestre em História pela Universidade de Pernambuco
(UFPE) e graduado pela mesma instituição. Trabalhou no projeto Marcas da
Memória: Uma história oral da Anistia no Brasil, do Ministério da Justiça, foi
professor substituto da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e,
também, trabalhou no Centro de História Brasileira da Fundação Joaquim Nabuco.
Atualmente, desenvolve pesquisas sobre a atuação do estado democrático para
lidar com o passado autoritário.
__________________________________
[1]
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In.FERREIRA, Marietta de Moraes; AMADO,
Janaina. Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.
[2] https://lula.com.br/nota-de-pesar-pelo-falecimento-de-agnaldo-timoteo/
[3]Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/default.asp?ACAO=Pesquisar&txtDt1=13%2F09%2F1995&txtDt2=13%2F09%2F1995&txtPalavraChave=&Enviar=Pesquisa acesso em 16 de junho de 2019.
[4] Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/default.aspACAO=Pesquisar&txtDt1=13%2F09%2F1995&txtDt2=13%2F09%2F1995&txtPalavraChave=&Enviar=Pesquisa acesso em 16 de junho de 2019.
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