#TBT do Blog "A história cultural de Michel Foucault” - Patricia O’Brien"

 *Texto publicado em 24 de abril de 2013.

**Escrito pelo Prof. Dr. Jailson P. da Silva

"Coleg@s, bom encontro o dessa tarde. Falar do Foucault é sempre um desafio pra nossa cabeça modorrenta. Espero que tenhamos crescido um pouco com os comentários acerca do texto da professora O’Brien.
A seguir, separamos alguns pontos que julgamos importantes para aquel@s que se ausentaram hoje.
Antes, porém, algo sobre a professora O’Brien:
Patricia O’Brien- dedica-se aos estudos sobre a civilização ocidental, focando seu olhar sobre temas como prisão e punição,  crime e teoria cultural. É especialista em História cultural francesa, atua junto à Universidade da Califórnia e mantém contatos com muitos outras instituições como Yale University e a École des Hautes Études en Sciences Sociales, in Paris.

O texto “A história cultural de Michel Foucault”, de Patricia O’Brien, foi publicado no começo dos anos 1990. Nele, a autora busca mapear a recepção que as obras de foucaultianas tiveram na “tribo dos historiadores”, a partir de 1961, quando Foucault lançou “História da Loucura”. No tenso mundo do pó-guerra, a percepção da História insinuada por Foucault se distanciava tanto do paradigma marxista quanto dos preceitos dos annales e, talvez por isso, estivesse tão sujeita às críticas e rejeições. Nos dois modelos interpretativos, pairava um receio de que a história da cultura pós-annales e pós-marxismo desembocasse num relativismo absoluto e inócuo, que poderia transformar a história no campo do irrelevante e descompromissado.
Para O’Brien, no entanto, mais do que tentar encaixar Foucault num modelo de interpretação da História, o importante é perceber: (1) a relação entre Foucault e os historiadores “profissionais” (nunca é demais lembrar que Foucault não era um historiador de profissão); (2) conquistas e fracassos do Foucault enquanto historiador; e (3) as influências de Foucault - e a perspectiva de continuidade dessa - sobre a escrita da História. Sobre esses aspectos, destacamos:

   1-    A recepção à obra foucaultiana tem sido “conflitante”. Mas, já a partir dos anos 1970, ainda que de forma relutante, ele começa a ser reconhecido pelos historiadores. Continuadores dos annales aproximam-se dele, destacando suas análises sobre temas e objetos inusuais como a loucura. Do mesmo modo, marxistas destacam sua crítica às instituições (a exemplo da prisão, da clínica...) como uma denúncia do controle social, tema clássico do marxismo. Reticente ou não, o fato é que Foucault foi sendo interlocutor, ainda que por vezes incômodo, que passou a ser ouvido por muitos historiadores.

   2-   Muitos outros, no entanto, rejeitam a obra foucaultiana condenando sua “... falta de método, o menosprezo pelos dados, a obscuridade filosófica, a linguagem singular, as simplificações excessivas e as abstrações, que para eles refletem a falta de validade histórica da obra de Foucault.” (p. 41). Essas críticas, embora possam ter alguma validade, parecem superficiais, pois não compreendem o radicalismo da proposta foucaultiana que visa problematizar as próprias estruturas de significação da História. Dito de outro modo, Foucault se interessa por questionar a validade das convenções. Isso implica questionar as próprias ordenações do conhecimento; destronar a naturalidade dos discursos (da ciência, inclusive). Foucault deseja “pensar o pensamento”. Por isso ele não vai de continuidade em continuidade, de evento em evento. Mas, ao contrário, ele vai em busca das descontinuidades, rompe as linearidades, vilipendia o sagrado totem da cronologia. Para O’Brien, “suas obras constituem uma surpreendente análise da civilização ocidental em termos de normalização e disciplina.” (p.44) Foucault deseja estudar as formas de subjetivação, ou seja, ele se interessa em saber como “os seres humanos são transformados em sujeito” (p.45). O poder, ponto fulcral na obra foucaultiana, se apresenta como um objeto que não pode ser reduzido à atuação do Estado ou das classes dominantes. O poder é uma tessitura de microrrelações. Não é apenas o aspecto repressor da sociedade. É também um elemento de criação, porque cria sujeitos, estratégias de subjetivação. Foucault sofre duras críticas, sobretudo dos marxistas, por explodir a noção de Estado. No entanto, a concepção foucaultiana não aceitava nada como um “dado dado”; um objeto fechado, pronto, acabado, inquestionável. Um ponto firme e natural, a partir do qual o edifício de interpretação podia ser erigido com segurança e firmeza. Muito pelo contrário, para Foucault as coisas existem numa rede de discursos que tornam os objetos visíveis e dizíveis: “O Estado, o corpo, a sociedade, o sexo, a alma e a economia não são objetos estáveis, são discursos: meu tema geral não é a sociedade, mas sim o discurso verdadeiro/falso: (...) o que me interessa não é simplesmente essa formação, mas os efeitos da realidade que são a ela atribuídos” (p.47-8). O método foucaultiano (“genealógico”) impunha a busca pelo começo e não pela origem. “As origens implicam causas, os começos implicam diferenças.” (p.49). Para o historiador, isso significa redefinir sua relação com o tempo, esquecendo a linearidade causal que apontava sempre para um passado inerte e distante que se autojustificava como causa primeira. Avançando seu método, problematizando constantemente a organização sistêmica dos objetos e a relação “as palavras e as coisas”, Foucault “abandonou estruturas por formas e funções e, ao fazê-lo, livrou-se das confortáveis amarras positivistas da escrita da história”. (p.57)

       3-  As críticas ao pensamento foucaultiano permanecem. Seu método, por vezes, mostra-se insuficiente para suas ambições. Mas esse aspecto é um dos pontos, paradoxalmente, que tem atraído estudiosos, na França e na Inglaterra particularmente, para a órbita gravitacional das ideias foucaultianas. Uma das contribuições claras da obra de Foucault aos novos estudos da História Cultural diz respeito à maneira como ele encarou o papel da linguagem/discurso como dispositivo de poder. Muitos temas (masturbação, loucura, linguagem, doentes...) ganharam destaque na historiografia influenciados pela escrita foucaultiana. Sua obra não desemboca num relativismo absoluto, como temiam uns e afirmam outros. Muito pelo contrário Foucault nos ajudou a pensar instrumentos para a reflexão crítica sobre nossa historicidade, sobre nós mesmos.


O’BRIEN, Patricia. A História Cultural de Michel Foucault- In: HUNT, Lyn Hunt (org.). A nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Um pouco sobre:  Michel Foucault


"Michel Foucault nasceu em 1926 em Poitiers, no sul da França, numa rica família de médicos. Aos 20 anos foi estudar psicologia e filosofia na École Normale Superieure, em Paris, período de uma passagem relâmpago pelo Partido Comunista. Obteve o diploma em psicopatologia em 1952, passando a lecionar na Universidade de Lille. Dois anos depois, publicou o primeiro livro, Doença Mental e Personalidade. Em 1961, defendeu na Universidade Sorbonne a tese que deu origem ao livro A História da Loucura. Entre 1963 e 1977, integrou o conselho editorial da revista Critique. Em meados dos anos 1960, sua obra começou a repercutir fora dos círculos acadêmicos. Lecionou entre 1968 e 1969 na Universidade de Vincennes e em seguida assumiu a cadeira de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, alternando intensas pesquisas com longos períodos no exterior. A partir dos anos 1970, militou no Grupo de Informações sobre Prisões. Entre suas principais obras estão História da Sexualidade e Vigiar e Punir. Foucault morreu de aids, em 1984"




Acessem o Portal Michel Foucalt: http://portail-michel-foucault.org/?lang=fr e também o site http://www.michelfoucault.com.br/ ambos disponibilizam uma série de arquivos, incluindo áudio e vídeo, sobre tudo que gravita sobre Foucault. 


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